Os livros de outubro

Os livros de outubro

Passado o período das férias, é tempo de retomar a vida quotidiana com redobrada energia e com novas leituras. Sugerimos dois livros de poesia de autores portugueses: os poemas completos do inconformista Mário- Henrique Leiria e uma antologia da belíssima poesia lírica de Manuel Alegre. Do grande historiador António Borges Coelho, uma obra essencial sobre as origens da expansão portuguesa. Saudamos a publicação do romance Se Minha Rua Falasse, de James Baldwin, pungente narrativa de amor que é também um poderoso testemunho sobre a condição do negro na América, temática complementada pelo ensaio clássico de bell hooks, Não Serei Eu Mulher? As mulheres Negras e o Feminismo. Por fim, para os leitores de palmo e meio, recomendamos uma preciosidade da literatura infanto-juvenil do século XX, James e o Pêssego Gigante, de Roald Dahl, em conjunto com uma obra de um dos seus mais ilustres herdeiros, As Piores Crianças do Mundo, de David Walliams.

Mário-Henrique Leiria

Poesia

E-Primatur

Mário-Henrique Leiria (1923-1980), escritor experimentalista, distinguiu-se nos géneros de vanguarda da sua época como a ficção cientifica ou o policial psicológico que incorporou no surrealismo, movimento ao qual sempre se manteve próximo. Espírito inconformista de ironia contundente, escolheu como alvos principais da sua obra o capitalismo, a guerra, o estilo de vida da burguesia e todas as formas de violência e autoridade. A edição da sua poesia completa, segundo o prefácio de Tania Martuscelli, organizadora do presente volume, “desnuda o Mário-Henrique Leiria revolucionário, deixando à mostra seu crescimento como artista, homem e ser político”. Documentando toda a sua obra poética que até hoje se pôde encontrar, os inéditos e os dispersos, desde os fins dos anos 30 até aos anos de 1970, revela que no conjunto dos poemas, conquanto de diversos estilos e épocas, se encontra a tão apreciada verve do autor dos famosos Contos do Gin Tonic, que o haveria de tornar num dos nomes de culto da literatura portuguesa do século XX.

António Borges Coelho

Raízes da Expansão Portuguesa

Editorial Caminho

Este livrinho, retirado do mercado duas semanas após a sua primeira edição, valeu ao autor uma longa tarde de interrogatório com a ameaça de revogação da liberdade condicional. Lê-se no auto de declarações de 1 de agosto de 1964, existente na Torre do Tombo: “o declarante desvirtua algumas das páginas mais brilhantes da nossa História, adulterando sacrilegamente os factos e classificando de ‘abutres’ homens que foram heróis e foram santos”. O autor declarou nos autos que a sua intenção ao escrever o livro “foi fazer história”. Nesta obra fundamental, reeditada em 6ª edição, Borges Coelho, entre outras importantes contribuições para a historiografia contemporânea, apresenta como razões do sucesso da expansão marroquina, levada a cabo pelos portugueses no século XV, a vida nómada e tribal que dificultava o avanço da estrutura social marroquina, a superioridade portuguesa nos mares e a vantagem da burguesia lusitana no capitulo da arte militar, que incluía já armas de fogo. O ilustre historiador atribui à alta burguesia marítima agrícola a determinação da expansão dos portugueses.

Manuel Alegre

Todos os poemas São de Amor

Dom Quixote

Parafraseando o título deste livro pode dizer-se que todos os poemas de Manuel Alegre são de amor. De facto, o presente volume reúne poemas de amor escritos entre 1960 e 2015. Entre eles, textos tão célebres como A Rapariga do País de Abril, Nós Voltaremos Sempre em Maio, ou Nambuangongo meu Amor, que Eduardo Lourenço classificou de “Hiroxima moral”. Ainda, Trova do Amor Lusíada (Meu Amor é Marinheiro), dedicado ao grande músico Alain Oulman, e o magnífico soneto As Facas, que conheceram ampla divulgação na voz magistral de Amália Rodrigues. Poemas que refetem, segundo Vasco Graça Moura, “as inflexões épicas e líricas que permitem a recuperação de tantos acentos genuinamente camonianos”, e “constituem alguns dos mais belos poemas de amor do nosso tempo”. A edição completa-se com nove poemas inéditos do Prémio Camões 2017. Poemas de amor que são: “(…) Palavras que te digo sem dizê-las / palavras onde pulsam várias vidas / e são a escrita mesmo se escondidas / e são o canto mesmo sem escrevê-las”.

 

James Baldwin

Se esta Rua Falasse

Alfaguara

James Baldwin (1924-1987) nasceu no Harlem, onde cresceu e estudou. Em 1948, partiu para França, fugindo ao racismo e homofobia dos EUA: “Acabei nas ruas de Paris, com quarenta dólares no bolso, mas com a convicção de que nada de pior me podia acontecer do que já me tinha acontecido no meu país”. Romancista, ensaísta, poeta e ativista dos direitos civis, foi, com Gore Vidal, um dos mais lúcidos espíritos críticos que a América produziu no século XX e um dos seus maiores intérpretes. Este romance narra a relação entre Tish uma jovem de 19 anos e Fonny, de 22, ambos negros. Fonny é preso, injustamente acusado do crime de violação, e os amantes ficam separados por uma fria parede de vidro. Na completa adversidade, a paixão destes jovens confere-lhes uma coragem inesperada e até uma esperança que a realidade não parece justificar. Ao ler esta obra comovente, sobre a dificuldade de ser negro e viver nos EUA, ironicamente apelidados pelo autor de “inferno democrático”, apetece repetir com ele: “The story of the negro in America is the story of America. It is not a pretty story”.

bell hooks

Não Serei Eu Mulher? As mulheres Negras e o Feminismo

Orfeu Negro

Gloria Jean Watkins, conhecida pelo pseudónimo de bell hooks, é uma autora norte-americana, feminista e activista social. A sua extensa obra conta com mais de trinta títulos publicados e incide essencialmente sobre a interseccionalidade da raça, da classe social e do género, e nos modos comos estas categorias produzem sistemas de opressão e dominação reforçando a estrutura capitalista patriarcal. “Nenhum outro grupo na América teve a sua identidade tão rasurada da sociedade quanto as negras. Raramente nos reconhecem como grupo autónomo e distinto dos negros, ou como parte integrante, nesta cultura, do grupo alargado de mulheres”, escreve a autora neste clássico obrigatório da teoria feminista. Por isso, bell hooks, para se compreender como negra, precisou de ir para além “dos muitos livros que as minhas camaradas brancas escreviam  para explicar a emancipação feminina, e conseguir novos modos alternativos e radicais, de pensar o género e o lugar das mulheres”.

Roald Dahl

James e o Pêssego Gigante

Oficina do Livro

A Oficina do Livro reedita este clássico da literatura infanto-juvenil, ilustrado com os deliciosos desenhos originais de Quentin Blake. James, um rapazinho de sete anos, resolve fugir das duas tias medonhas com quem é forçado a viver. Não parte a pé, nem de bicicleta. Lança-se numa extraordinária aventura espacial, a bordo de um pêssego gigante, com um surpreendente grupo de amigos. Roald Dahl (1916/1990) nascido no País de Gales, de origem norueguesa, aventureiro e viajante incansável, tornou-se famoso como escritor para adultos (Contos do Imprevisto) e para crianças. Dotado de um estilo literário elegante e fluido, com relevo para o engenho dos enredos e para as descrições e diálogos pautados pela comicidade, manifesta clara apetência pelo humor negro ao qual não é alheia uma certa perversidade. O seu imaginário decorre das fábulas e contos tradicionais, cujo conteúdo e moral lhe apraz subverter. Na sua obra os pequenos protagonistas encaram as situações difíceis muito melhor do que os adultos, constituindo este facto uma das razões prováveis para o seu imenso sucesso junto do público jovem. Nunca subestima a inteligência do leitor, suscitando a imaginação e espírito crítico da criança para além dos limites a que foi habituada, sobre as noções convencionais do Bem e do Mal e o respeito reverencial teoricamente devido aos mais velhos. James e o Pêssego Gigante é um livro fundamental que ajuda a crescer. Porque as crianças merecem o melhor.

 

David Walliams

As Piores Crianças do Mundo

Porto Editora

Quem são as piores crianças do mundo? A Sofia Sofá – viciada em televisão, tão colada ao sofá que quase se confunde com ele. Ou o João Babão – um rapaz cuja baba o mete em sarilhos tremendos numa simples visita de estudo. E não esqueçamos a Fiona, a Chorona – uma irmã mais velha do pior que só sabe berrar! Em Portugal, as obras de David Walliams Avozinha Gângster, A Doutora Tiradentes, A terrível tia Alberta e A Incrível Fuga do meu Avô estão incluídas no Plano Nacional de Leitura como sugestão de leitura autónoma para o 5.º ano. Os seus livros, tão divertidos, herdaram do grande escritor Roald Dahl o impertinente e delicioso sentido de humor e a relação criativa entre o texto e as sugestivas ilustrações de Tony Ross que, pela rapidez certeira do traço, lembram Quentin Blake, eterno colaborador de Dahl.