Descobrir Campo de Ourique

Itinerários de Lisboa

Descobrir Campo de Ourique

Do ponto de vista urbano, Campo de Ourique tem presença em Lisboa há pouco mais de um século. Bairro residencial, conta com uma forte e antiga vocação para o comércio, o que lhe confere vida própria e o torna numa pequena cidade dentro de Lisboa. As suas ruas de traçado ortogonal – nove ruas alinhadas a poente-nascente cortadas por outras cinco, no sentido norte-sul – convidam a longos passeios.

Situado no centro do triângulo formado pelas Amoreiras, Estrela e Prazeres, Campo de Ourique é um dos bairros com mais identidade de Lisboa. Por se situar num planalto, esta área sempre se chamou de campo, ao que se juntou o nome Ourique em homenagem à célebre batalha ocorrida em 1139, supostamente na cidade hoje conhecida como Ourique, no Alentejo. Terras de pão e oliveiras nos séculos velhos, chãos rústicos de quintas e terrenos para merendas e passeios até ao século XVIII, só nos anos pós-terramoto Campo de Ourique recebeu a primeira grande vaga de povoamento, apressada pelo arrasamento de uma grande parte de Lisboa. Foi, aliás, por esta ter sido a primeira zona a não ser afetada pelo maremoto de 1755 que surgiu a expressão rés-vés Campo de Ourique.

A Igreja do Santo Condestável, que se ergue no centro de um amplo largo, é o ponto de partida deste itinerário. Austera, esta igreja matriz de estilo neogótico foi projetada em 1946 pelo arquiteto Vasco Regaleira em honra de D. Nuno Álvares Pereira, Santo Condestável. Foi consagrada e inaugurada a 14 de agosto de 1951, no aniversário da Batalha de Aljubarrota. Na fachada, por cima da porta de entrada, encontra-se uma escultura de Nuno de Santa Maria – nome que o Condestável adotou depois de se ter juntado à Ordem Terceira do Carmo – ladeado por dois anjos, da autoria de Leopoldo de Almeida. No interior, um túmulo relicário executado em 1953 pelo escultor Domingos Soares Branco acolhe as relíquias de D. Nuno Álvares Pereira. Ao fundo do transepto, dos dois lados, é possível apreciar os vitrais de Almada Negreiros, alusivos à devoção do Santo Condestável a Cristo e sua mãe. O fresco que representa a glorificação de Nuno Álvares Pereira, pintado por Portela Júnior, adorna a capela-mor.

Descendo pela lateral do terreiro da igreja, entra-se na Rua Saraiva de Carvalho em direcção à Praça São João Bosco, onde se ergue um monumento em memória do santo, numa homenagem feita pela família Salesiana e pela cidade de Lisboa a um homem que, tendo falecido em 1888, deixou uma obra notável. Sacerdote católico italiano e educador, Dom Bosco fundou a Pia Sociedade São Francisco de Sales, conhecida por Salesianos, e dedicou a sua vida aos jovens. Foi proclamado santo em 1934. Do lado esquerdo, erguem-se as instalações dos Salesianos de Lisboa, atualmente colégio de ensino externo. Do outro lado da praça, é possível avistar a entrada do Cemitérios dos Prazeres, construído em 1835, cuja traça do portão é da autoria do arquiteto Domingos Parente.

Contornando o quarteirão da Praça São João Bosco e virando posteriormente à direita na Rua Padre Francisco, chega-se ao Mercado de Campo de Ourique. É um dos mercados mais antigos de Lisboa, tendo sido mandando construir por iniciativa de José Dionísio Nobre, empresário e residente do bairro, sob o projeto do arquiteto Couto Martins. É inaugurado em 1934 e Dionísio Nobre consegue a sua concessão durante 40 anos. Em 1973, o mercado passou para a administração municipal. Depois de durante a décade de 80 do século XX o espaço já ter sofrido obras de remodelação, demolição e ampliação – com projetos da autoria dos arquitetos Daniel Santa Rita, Alberto Oliveira e Rosário Vernande -, em 2013 é criado um novo conceito de mercado, tendo este sido renovado com um conceito gourmet, inspirado no Mercado de San Miguel, em Madrid.

Saíndo do mercado pel a Rua Coelho da Rocha, contorna-se o quarteirão pela Rua Tenente Ferreira Durão e vira-se à direita na Rua Almeida e Sousa. Na esquina com a Rua Francisco Metrass ergue-se o Cinema Europa, um edifício residencial que foi, outrora um dos ex-libris do bairro. Originalmente inaugurado nos anos 30 do século XX como sala de cinema, com projeto de Rui Martins, foi depois alterado pela mão de Antero Ferreira, já na década de 50, altura em que a fachada recebe um alto relevo da autoria de Euclides Vaz, onde está representada Europa, figura da mitologia grega, filha do rei fenício Agenor e irmã de Cadmo. Em 1981 deixa de funcionar como sala de cinema e começa a ser estúdio de programas televisivos, tendo sido demolido em 2010 para dar lugar a um edifício de apartamentos. No piso térreo, funciona a Biblioteca / Espaço Cultural Cinema Europa.

Em frente, é possível vislumbrar já algum arvoredo do Jardim Teófilo Braga, mais conhecido como Jardim da Parada por aí se realizarem as paradas do quartel. A construção do jardim, que dispõe de um parque infantil, um quiosque com esplanada, um coreto, um lago e um património vegetal interessante, foi  iniciada já depois do bairro se encontrar parcialmente urbanizado. Em 1920, foi inaugurada a estátua de Maria da Fonte, da autoria do escultor António Costa (tio), de forma a assinalar o centenário da instauração do regime liberal.

Já na Rua Infantaria 16, mais precisamente no número 46, encontra-se o Pátio das Barracas. Construído nos finais de oitocentos por Benitez, este era um bairro operário da firma Lopes, Esteves & Cª, e era composto por duas correntezas de casas de piso térreo que, no meio, formam o pátio. Estas humildes vilas, espalhadas um pouco por todo o bairro, eram ‘aldeias’ no meio da cidade que, no século passado, fervilhavam de gente. Agora, apesar das paredes ansiarem por umas pinceladas de tinta, ainda é possível ver os traços de ruralidade neste pátio, como os tanques de betão onde as mulhereres lavavam a roupa.

Um pouco mais acima, depois de atravessar a principal artéria do bairro, a Rua Ferreira Borges, ergue-se o Quartel de Campo de Ourique, construído nos finais do século XVIII por ordem do conde de Lippe. O conde de Lippe desembarcou em Lisboa em 1762 com a incumbência de reoganizar o Exército e, durante esse processo, foram construídas várias fortificações militares destinadas a aquartelamentos militares.  Em 1816, este quartel já era sede do regimento da Infantaria 4 e, em 1831, passou a ser ocupado pela Infantaria 16, que ali se manteve até 1912. Durante a sua longa história, o quartel sofreu diversas obras de restauro e ampliação, mas manteve sempre o núcleo prinmcipal com a traça original, constituído pelos edifícios do comando e por duas alas de edifícios paralelos, separados por uma calçada. Em 1979, foi ali criada a Escola do Serviço de Saúde Militar, que permanece até aos dias de hoje.

Virando à direita na Rua Luís Derouet e ao fundo à esquerda, na Rua Coelho da Rocha, encontra-se a Casa Fernando Pessoa, última morada do poeta (de 1920 a 1935). Este edifício foi adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa, que manteve a fachada e readaptou todo o seu interior para servie as suas novas funções: ser a casa da poesia em Portugal. Inaugurada em 1993, a Casa Fernando Pessoa é um espaço de homenagem ao poeta e tem como principal objetivo preservar a sua memória na cidade. Definindo-se como um polo cultural, a casa dispõe de um jardim, auditório, salas de exposição e uma biblioteca dedicada exclusivamente à poesia e parte do espólio do poeta.

Continuando para sul na mesma rua, chega-se ao Pátio dos Artistas, mais uma vila mas que, ao invés de ter sido criada como local de habitação de operários, nasceu  com outra finalidade: apoiar as artes. Projetado pelo arquiteto Cristino da Silva, o espaço é constituído por uma série de ateliês de artistas.  Ao longo dos tempos, já passaram por ali nomes como Cotinelli Telmo, Leopoldo de Almeida, Álvaro Brée, Domingos Rebelo, António Lino, Eduardo Nery, entre outros. Algumas das fachadas e empenas de edifícios ostentam baixos relevos alusivos às artes, com características marcadamente modernistas ou Art Deco.

 

[Fotografias de Humberto Mouco]