Esta noite representa-se ‘Esteiros’

‘150 Milhões de Escravos’ no Teatro da Trindade

Esta noite representa-se ‘Esteiros’

A partir de textos de Soeiro Pereira Gomes, Anton Tchékhov e Mickael de Oliveira, 150 Milhões de Escravos surge como peça-denúncia sobre o trabalho infantil, a exploração e a má consciência burguesa. Com direção de Maria João Luís, a nova produção do Teatro da Terra estreia a 11 de janeiro no Teatro da Trindade.   

“Foi tempo de voltar à terra, à lezíria dos telhais, onde até há poucas décadas, os meninos eram despojados de infância”, confessa Maria João Luís, evocando o Ribatejo, onde foi “nascida e criada”. 150 Milhões de Escravos nasceu desse regresso às origens e da vontade íntima de pegar num romance que faz parte da vida da encenadora (“um livro lá de casa, que por volta dos 10 anos já tinha lido e ouvido ler”): Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes.

Com Mikael de Oliveira (com quem já tinha trabalhado noutra obra do neorrealismo – Finisterra de Carlos de Oliveira), Maria João Luís encontrou um caminho para trazer Esteiros para o palco. Socorrendo-se de A Gaivota, de Tchékhov, encontramos a família burguesa a trocar Treplev por Soeiro, e a percebermos que, no conforto do pequeno mundo das aparências de hoje, continuam a existir “os filhos dos homens que nunca foram meninos” (da dedicatória de Esteiros). E, tragicamente, replicam-se, e replicam-se.

Assim, em palco, encontramos uma família de proprietários rurais, onde pontuam, entre outros, o ambicioso político, a sua irmã, uma atriz em final de carreira, e o filho dela, um dramaturgo que propõe encenar, em homenagem aos trabalhadores da herdade que fazem a vindima, os Esteiros de Soeiro Pereira Gomes. Aos poucos descortinamos, entre o discurso politicamente correto e cínico destes burgueses, que na herdade, em anexos no campo, estão trabalhadores ilegais, de várias nacionalidades, e até crianças. E a maior monstruosidade prepara-se para acontecer quando chega a notícia da morte de um menor em plena jorna de trabalho…

E assim acontece o soco no estômago que 150 Milhões de Escravos reserva para o espectador. “Quis abalar o nosso conforto burguês, por mais que recusemos identificar-nos com estes que vemos em palco. Podemos não ser dos que exploram e matam, mas não nos podemos ilibar de culpas quando sabemos que há crianças a trabalhar em campos de cacau para que tenhamos o chocolate de que tanto gostamos ou em fábricas da Ásia a produzir as roupas com que nos vestimos” refere a encenadora, não deixando de lembrar também que, aqui em Portugal, se exploram crianças e somos confrontados com situações tão inauditas, “como o recente caso das adoções ilegais pela IURD”.

E o título do espetáculo? “Uma denúncia clara”, explica Maria João Luís, apoiando-se nos números da Amnistia Internacional, “que apontam para mais de 152 milhões de menores no mundo vítimas de trabalho infantil”.

Com interpretações de Beatriz Godinho, Catarina Rôlo Salgueiro, Emanuel Arada, Ivo Alexandre, João Saboga, José Leite, Hélder Agapito, Lígia Soares e Teresa Sobral, 150 Milhões de Escravos é uma coprodução do Teatro da Terra com o Teatro da Trindade/INATEL, estando em cena até 28 de janeiro. A partir de 1 de fevereiro, a peça estreia em Ponte de Sôr, no Alto Alentejo.