Pedro Cabeleira

Verão Danado

Pedro Cabeleira

Verão Danado, a primeira-longa metragem de Pedro Cabeleira estreia, a 30 de novembro. Em Lisboa é exibido no Espaço Nimas e no Cinema UCI El Corte Inglés. O filme segue o dia-a-dia de Chico, um jovem que acabou os estudos e durante o Verão aproveita para se divertir e encontrar um rumo para a sua vida. Conversámos com o realizador sobre este trabalho que nos dá a conhecer uma juventude à deriva.

Começou o processo do filme precisamente com 21 anos, a idade das personagens. A sua vida nessa altura foi o ponto de partida para o filme?

Queria sobretudo mudar a forma como fazia filmes. Na escola tinha feito filmes muito estilizados, desligados da realidade. Quando terminei o curso quis partir para uma coisa mais próxima da realidade. Por outro lado, comecei a interessar-me muito sobre o trabalho de ator. Sabia que podia ter atores da minha idade a trabalhar comigo, o que acabou por influenciar a lógica do filme. Também pensei sobre o que poderia retirar da vida real que tivesse potencial em termos cinematográficos. Aquele limbo que estávamos atravessar era uma coisa bonita de se filmar, existiam muitos picos emocionais, fazíamos grandes tempestades de coisas que não tinham assim tanta relevância. Depois havia uma série de experiências nomeadamente ligadas à noite, como as luzes e a música que podiam funcionar em sala e que não estava habituado a ver no cinema. O ponto de partida nunca foi retratar a minha vida, não é um trabalho autobiográfico. Porém, acabei por recorrer a vivências pelas quais tinha passado – o personagem principal vem como eu do interior, e descobre a mesma Lisboa que eu fui descobrindo – porque pretendia trabalhar a realidade através de um lado emocional e de uma lógica de comportamentos que levam a uma coerência realista.

Ao mesmo tempo que trabalhava no filme foi criada a produtora Videolotion. Como foi trabalhar em dois projetos tão importantes ao mesmo tempo e com poucos meios?

A Videolotion surgiu logo a seguir a ter acabado a escola. Era um período de indefinição em que não estávamos a conseguir arranjar trabalho, por isso eu a Marta Ribeiro e a Joana Peralta decidimos criar uma produtora, nessa altura mais virada para a publicidade. Entretanto estava menos ativo na produtora porque andava a trabalhar no filme. Fazer o filme foi uma loucura, é algo que nos consome todo o tempo e energia. Como não tinha dinheiro contava com a boa vontade de toda gente: a escola emprestou material, um amigo emprestou a câmara, a equipa não era paga… Estamos constantemente a resolver problemas e a tentar que as coisas resultem. Mas ao mesmo tempo estamos a fazer o que gostamos, isso é gratificante.

O filme pretende ser o retrato de uma geração?

É o retrato de um grupo que durante aquele período (um Verão) vive sem responsabilidades. O personagem principal é um miúdo com uma vida normal, que vai experienciando diferentes dinâmicas de grupo. Embora comece a frequentar festas à noite, ele não é um raver, é alguém que se deixa ir. É o retrato de um nicho, há outras realidades.

Falou-se muito em hedonismo a propósito do filme. Para além do “beber, fumar e curtir a vida” não se sente uma insatisfação permanente e mesmo uma violência latente nesses jovens?

Não há uma definição em nenhum daqueles personagens. Estão sempre em busca de preencher alguma coisa, o lado hedonista traz muito isso. O “beber, fumar e curtir a vida” dá a ideia de procurar um sentido. As saídas à noite e a violência associada a isso, as drogas e o álcool são uma forma de preencher esse vazio. Estes jovens sentem-se órfãos porque grande parte da vida é gerida por uma espécie de pai: as instituições académicas. Quando terminam o curso têm necessidade de preencher essa ausência, o que acaba por nunca acontecer. No caso do Chico, o personagem principal, isso revela-se ao nível das relações amorosas, ele tenta encontrar satisfação em cada envolvimento, mas no fim as coisas nunca correm bem.

Todos os atores que trabalham no filme são desconhecidos, com exceção de Nuno Melo que tem uma pequena participação. Como foi feito o casting?

Comecei por pensar nas personagens. A principal era o Chico, depois pensei quem seriam os amigos dele, os amigos dos amigos, os conhecidos, com quem é que ele se cruzaria. Tentei criar um universo extenso, uma geografia de pessoas. Comecei com o Chico, embora este fosse a única personagem para a qual não tinha ator. Todos os outros personagens eram atores que eu já conhecia da escola. Como os conhecia pessoalmente, as personagens eram criadas à luz daquilo que eles realmente eram. Por isso durante o casting se determinado ator não podia trabalhar o personagem acabava por desaparecer, e surgia um novo personagem.

Embora este trabalho seja ficção há também um lado documental. Foi intencional este cruzamento ou algo que aconteceu naturalmente?

O filme é uma ficção, a intenção nunca foi que o filme tivesse um aspeto documental. Talvez por ter sido filmado com câmara ao ombro possa dar essa impressão, mas esse recurso deveu-se à fragilidade de produção. Gosto de ver cinema no sentido em que todos os filmes são quase um falso documentário, não do ponto de vista formal de como se filma, mas daquilo que está à frente da câmara que não pode parecer encenado. Eu filmei aquilo que estava a acontecer, mas também tinha controlo sobre o que estava a filmar. Aliás há vários planos coreografados no filme.

A música é um dos elementos mais importantes do filme. A banda sonora foi trabalhada exclusivamente para o filme?

A banda sonora não foi feita propositadamente para o filme. A música tem um papel muito importante no cinema e, como qualquer outra pessoa, a minha relação com a música é muito emocional. Por exemplo, a forma como a música é utilizada no cinema mainstream não me agrada, é uma coisa meramente decorativa. Antigamente com os leitmotivs a música tinha um papel muito mais forte. A música tem de trazer algo de novo, tem que entrar de certa forma em conflito com a imagem, tem de existir uma dialética entre música e imagem. Neste filme procurei devolver à música um sentido narrativo.

O filme foi muito apreciado pela crítica e teve estreia mundial em Locarno, onde recebeu uma menção especial. Que impacto teve a crítica e a participação em festivais de cinema?

Do ponto de vista profissional pode abrir portas porque os festivais conferem aos cineastas um determinado prestígio. Contudo, eu não fiz este filme para ganhar uma menção honrosa. Caso o filme estreie numa única sala em Lisboa, será uma frustração porque sinto que não será visto por muita gente. Com as dificuldades que os jovens têm, em Portugal, para fazer cinema acaba por ser uma luta inglória. Ter o filme em sala é a parte mais importante, é aqui que ele chega ao público. Os festivais não devem ser a meta de nenhum filme.