A alegre melancolia do Chaplin de Munique

‘Karl Valentin Kabarett’ no Teatro da Trindade

A alegre melancolia do Chaplin de Munique

Com encenação de Ricardo Neves-Neves, Karl Valentin Kabarett reúne 16 peças curtas do autor que ficou conhecido como o “Chaplin Alemão”, protagonizadas por 11 atores, entre eles os “históricos” Fernando Gomes e Elsa Galvão. Depois da estreia no Festival de Almada, o espetáculo sobe ao palco do Teatro da Trindade, de 13 a 23 de julho.

Depois de uma surpreendente incursão no texto de Edward Albee Encontrar o Sol, Ricardo Neves-Neves regressa a um território aparentemente mais familiar, com uma celebração do teatro de Karl Valentin (1882-1948), o comediante e dramaturgo bávaro que é reconhecido, hoje, como um dos mais influentes do século XX. Às peças curtas, pejadas de humor e de absurdo, o encenador junta um conjunto de temas do repertório tradicional alemão do final do século XIX e princípio do século XX, proporcionando um entusiasmante espetáculo de cabaret, a lembrar o imaginário fervilhante da Alemanha de Weimar.

“Selecionei um conjunto de peças pelas quais senti uma especial afinidade, e juntei outras do agrado dos atores”, refere o encenador. Apesar do olhar particular sobre a obra de Valentin, o espetáculo proporciona uma visão ampla sobre um teatro que aplica com mestria “um estado de graça a coisas que parecem não ter qualquer importância”. Depois, há o fascínio pelo absurdo, tão caro a Neves-Neves (como a tantos grandes autores que idolatraram Valentin), e presente em textos como o de um pai que apresenta a lista de encargos que teve com a filha quando ela cumpre a maioridade ou essa ‘pérola’ chamada Um Fogo e Peras, cujo título dispensa pormenores.

Em ‘Karl Valentin Kabarett’ acontece um curioso diálogo entre as peças do “Chaplin de Munique” e alguns temas musicais alemães

 

Mas se neste espetáculo o ambiente é de festa, o encenador não esquece o tom que Valentin reserva para os seus personagens: “eles vivem um sentimento de inferioridade perante o mundo”. Ou seja, “as situações são cómicas, mas os personagens são, de facto, infelizes”. Por isso, a alegria no teatro de Valentin está impregnada de melancolia que, segundo Neves-Neves, citando a sua professora de lingua alemã, “revelam um complexo de inferioridade que, à semelhança dos portugueses, e embora com efeitos históricos muito diferentes, os alemães também sentem.”

Depois, há a música interpretada ao vivo pelos atores, por um cantor lírico e por uma orquestra de dez músicos oriundos do jazz, dirigidos pela maestrina Rita Nunes. Neste Karl Valentin Kabarett acontece um curioso diálogo entre as peças do “Chaplin de Munique” e alguns temas musicais alemães, por sinal não contemporâneos do período áureo de Valentin (os anos 20), mas oriundos de décadas anteriores. Para isso, ao elenco foi pedido que os cantassem na língua original, “um enorme desafio, já que poucos dominavam o alemão”. As canções, “muito alegres mas, por vezes, carregadas de pré-conceitos vincadamente eurocêntricos”, são, por opção, legendadas em português para que o público as entenda.

Depois da aplaudida estreia no Festival de Almada, este novo espetáculo do Teatro do Eléctrico faz oito representações em Lisboa, e apresenta-se a 29 de julho, em Quarteira, no Algarve.