Nas encruzilhadas do desejo

'Júlia' no Teatro São Luiz

Nas encruzilhadas do desejo

Através do texto original de August Strindberg Menina Júlia, Daniel Gorjão compõe uma reflexão sobre as encruzilhadas do desejo. Teresa Tavares e João Villas-Boas são a Júlia e Jean, ela a jovem condessa, ele o criado, protagonistas de um amor impossível. Em cena, no Teatro São Luiz, de 28 de abril a 7 de maio.

Se recuarmos pouco mais de um ano, a Dessa Carne Lassa do Mundo, peça inspirada em Romeu e Julieta de Shakespeare, os amores trágicos continuam a inspirar o teatro coreográfico e imagético de Daniel Gorjão. Agora, o cofundador do Teatro do Vão parte para outro clássico,  Menina Júlia de Strindberg, fazendo de Jean, o criado, e de Júlia, a jovem aristocrata, instrumentos que permitam “olhar para o fundo de nós.”

Ao colocar no epicentro do espetáculo as variantes do desejo que alimentam a relação entre os protagonistas, Gorjão optou por suprimir a terceira personagem do texto original (a criada). “Interessava-me que o enfoque estivesse apenas sobre Júlia e Jean, sublinhando o que os aproxima e os afasta, o que os faz amar e odiar, quase em simultâneo. Interessa-me mostrar o poder do desejo e o desejo de poder que existe em cada um deles, tal como em cada um de nós numa relação amorosa.”

Mas a obra-prima de Strindberg é rica em abordar outros contextos e conduzir a leituras sobre a ordem social e política da época, afinal, tão marcada pela luta de classes. Gorjão contorna-as, atenua-as através de uma dramaturgia apurada que, “sem mexer no texto, prefere sublinhar as perspetivas que o próprio Strindberg tinha do desejo amoroso.”

Cada espetador torna-se assim um voyeur que, por entre os arbustos do jardim, encontra os amantes num recanto. Eles dançam (é noite de São João!), eles amam-se, eles partilham confidências; mas também discutem, agridem-se, odeiam-se. Afinal, é de tudo isso que é feita a linguagem dos amantes.