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Nas encruzilhadas do desejo
'Júlia' no Teatro São Luiz
![Nas encruzilhadas do desejo](https://www.agendalx.pt/content/uploads/2018/07/Julia-pt.png)
Através do texto original de August Strindberg Menina Júlia, Daniel Gorjão compõe uma reflexão sobre as encruzilhadas do desejo. Teresa Tavares e João Villas-Boas são a Júlia e Jean, ela a jovem condessa, ele o criado, protagonistas de um amor impossível. Em cena, no Teatro São Luiz, de 28 de abril a 7 de maio.
Se recuarmos pouco mais de um ano, a Dessa Carne Lassa do Mundo, peça inspirada em Romeu e Julieta de Shakespeare, os amores trágicos continuam a inspirar o teatro coreográfico e imagético de Daniel Gorjão. Agora, o cofundador do Teatro do Vão parte para outro clássico, Menina Júlia de Strindberg, fazendo de Jean, o criado, e de Júlia, a jovem aristocrata, instrumentos que permitam “olhar para o fundo de nós.”
Ao colocar no epicentro do espetáculo as variantes do desejo que alimentam a relação entre os protagonistas, Gorjão optou por suprimir a terceira personagem do texto original (a criada). “Interessava-me que o enfoque estivesse apenas sobre Júlia e Jean, sublinhando o que os aproxima e os afasta, o que os faz amar e odiar, quase em simultâneo. Interessa-me mostrar o poder do desejo e o desejo de poder que existe em cada um deles, tal como em cada um de nós numa relação amorosa.”
Mas a obra-prima de Strindberg é rica em abordar outros contextos e conduzir a leituras sobre a ordem social e política da época, afinal, tão marcada pela luta de classes. Gorjão contorna-as, atenua-as através de uma dramaturgia apurada que, “sem mexer no texto, prefere sublinhar as perspetivas que o próprio Strindberg tinha do desejo amoroso.”
Cada espetador torna-se assim um voyeur que, por entre os arbustos do jardim, encontra os amantes num recanto. Eles dançam (é noite de São João!), eles amam-se, eles partilham confidências; mas também discutem, agridem-se, odeiam-se. Afinal, é de tudo isso que é feita a linguagem dos amantes.