Pedro Gadanho

Fala o diretor do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia

Pedro Gadanho

A 5 de outubro inaugura o novo edifício do MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia. Pedro Gadanho, que trocou a curadoria de arquitetura e design no MoMA, em Nova Iorque, pela direção do museu, fala-nos dos objetivos deste equipamento inovador que estabelece uma relação privilegiada com o Tejo.

Belém era conhecida pela unidade arquitetónica dos seus monumentos, primeiro os edifícios quinhentistas manuelinos, depois os da exposição do Mundo Português. Recentemente criaram-se três novos equipamentos: CCB, o Novo Museu dos Coches e o MAAT. Este projeto teve em consideração essa envolvência e a relação com esses novos edifícios?

Completamente. Este é um projeto altamente contextual, não só porque tira o melhor deste local através das vistas que vai proporcionar, tanto da cidade como do rio, mas é também um edifício se insere de forma subtil para atrair e a conquistar as pessoas, com rampas fluídas, tornando muito natural a relação entre o passeio pedonal e a entrada no edifício. Evidentemente que a linguagem arquitetónica é muito própria, é forte e tem muito a ver com o século XXI. Mas é isso que faz as cidades, essa sobreposição de várias épocas, vários momentos que têm a sua expressão. É por isso que au acho tão interessante o contraste entre a Central Tejo e este novo edifício. Um como património industrial do Século XX e outro que marca o princípio do século XXI. E se cada um tem a linguagem do seu tempo, cada um ganha o seu lugar na história exatamente por ter essa capacidade de usar as tecnologias disponíveis ou os materiais que acabaram de ser inventados. Neste projeto, Amanda Levete teve a preocupação de ter o lioz e a cerâmica a revestir o edifício, para que este se pudesse aproximar mais da história e do património portugueses.

 

Após quatro anos em Nova Iorque, regressa a Lisboa para abraçar este projeto. O que o levou a aceitar este convite?

Não é todos os dias que se abre um museu. E este é um projeto particularmente aliciante para mim, não só porque é em casa mas porque tem uma ambição internacional a partir de Portugal e combina disciplinas e áreas com as quais eu sempre estive envolvido e que acho que importam de sobremaneira nos dias de hoje. A arte contemporânea para mim foi sempre uma paixão, sempre cresci muito ligado à comunidade artística em Portugal. A minha formação é em arquitetura e sempre desenvolvi a minha carreira de curadoria relacionada com a arquitetura de cidade. E depois há as questões da tecnologia que, quanto a mim, estão a impactar as nossas vidas a uma velocidade vertiginosa. Portanto, acho que a combinação destas três áreas é particularmente única, e isso também torna o projeto muito interessante. Não há outro projeto no mundo que tenha esta combinação. Funciona, por isso, como um novo desafio a nível de programação e a nível do modo como se articulam essas áreas, de como os artistas têm refletido sobre essas questões. Sem limitar, obviamente, o campo de trabalho dos artistas, pretendemos entender essas duas áreas, a questão da cidade, da cultura urbana em transformação, a questão dos impactos da tecnologia no nosso quotidiano, como é que essas áreas podem funcionar como filtro para selecionar determinados artistas, determinados projetos e fazê-los funcionar de forma coerente.

“Inserir o MAAT no circuito internacional é um desafio claro, de modo a ser uma plataforma capaz de trazer a Portugal artistas estrangeiros relevantes”

 

Quais são os principais desafios e responsabilidades de dirigir um museu completamente novo, especialmente para quem vai dirigir um pela primeira vez?

Os desafios têm a ver com conseguir competir no meio internacional onde muitos museus já tiveram muito tempo para criar uma reputação e para criar um número de atrativos que os faz funcionar como referências a nível global. Uma Tate ou um MOMA que vêm há dezenas de anos a construir não só uma reputação ao nível da história de arte mas também a nível da construção de um público, do trazer a arte contemporânea a novos públicos. Aí, humilde e modestamente, o inserir o MAAT nessa competição internacional é um desafio claro, até porque há, de facto, uma ambição do museu não funcionar só como uma amostragem da produção local, mas também como uma plataforma para trazer artistas estrangeiros relevantes a mostrar em Portugal. Esta é mais uma oportunidade se criar em Lisboa mais uma instituição onde se mostrem artistas relevantes a produzir projetos novos, como é o caso da Dominique Gonzalez-Foerster com a primeira instalação no novo edifício e muitos outros que se seguirão. Ao nível das responsabilidades, há a relação com a audiência local, pensando que esta programação de exposições que servirá para firmar a identidade do museu será acompanhada de um programa educativo que pretende lançar o debate, que pretende, a partir das exposições e das sugestões que as exposições lançam, continuar um trabalho de criação de uma ligação mais profunda com o público residente e abordar questões que possam ser interessantes discutir. Desde as transformações que Lisboa está a sofrer, como a própria alteração da frente ribeirinha da cidade, que eu acho que são transformações muito positivas, até questões mais universais. Pretendemos trazer cá um importantíssimo antropólogo indiano que vive há muitos anos nos EUA, Arjun Appadurai, que aliás já esteve em Portugal, mas desta vez para falar exatamente sobre o impacto da tecnologia no nosso quotidiano, como é que ela altera os nossos comportamentos, como nos faz mudar a mentalidade e como muda os nosso cérebros. E aí o programa expande-se para outras áreas que tem que ver com uma responsabilidade de democratizar o acesso à arte, tornar a arte mais compreensível, mais abraçável por um público mais generalizado. A responsabilidade é, também, dar a entender que a arte nos pode trazer algo a todos e que não é só uma linguagem estranha e muito elitista, só para um grupo de conhecedores.

 

 

Sabemos que pretende que o MAAT venha a ser uma peça fundamental para pôr Lisboa no mapa da arte contemporânea. Na sua opinião, qual o papel que um museu deve desempenhar numa sociedade, nomeadamente na cidade de Lisboa?

Uma vez participei numa Ted Talk que falava do museu como ativista e ativador. Penso que um museu tem uma responsabilidade que vai para além das suas paredes no sentido de lançar o debate, mas também de ativar as áreas onde estão instalados, através de relações com a comunidade local, com relações com a transformação urbana que está a acontecer, neste caso, na zona de Belém, e esse é o sentido que queremos também dar o MAAT. Com um projeto que, aliás, dá continuidade à logica de trabalho da Fundação EDP, não só nesta área mas a nível nacional.

 

Existe aquela ideia de que os museus são feitos para os turistas. De que forma pretende atrair o público português?

Acreditamos que devemos valorizar a oferta cultural que vamos criar aqui e, portanto, cremos que deve haver um preço de entrada. Esse preço de entrada poderia ser impeditivo, poderia dificultar o acesso a alguns, mas pretendemos manter um valor de entrada que, no fundo, cobre o justo preço àqueles que vêm de fora, que estão habituados a pagar mais pela entrada noutros museus. Assim, criámos um membership, não para ser uma forma de retorno económico, mas sim uma forma de integrar as pessoas e de fazê-las sentir que o museu é delas. Desta forma, através de um preço simbólico anual, as pessoas poderão trazer alguém consigo, os jovens e as crianças já são gratuitos, por isso toda uma família pode vir com cartão de membership, que permite regressar a este espaço tantas vezes quanto desejarem. E exatamente porque o espaço não tem só a ver com exposições e com arte, tem a ver também com o circuito tradicional de visita à Central Tejo e da história que aqui se conta sobre a energia e a tecnologia, e com o usufruir deste espaço com espaço de lazer. Ou seja, todas estas áreas, a própria cobertura do novo edifício que vai oferecer uma nova vista da cidade, é toda uma experiência que se torna acessível a partir da pertença ao MAAT através do membership.

Sendo a arquitetura a sua área de formação, que peso terá ela na programação do MAAT?

No fundo, a arquitetura aqui está enquadrada em dois aspetos. Um é o facto de termos dois edifícios de referência, um para o século XX e um para o século XXI, e que vai trazer as pessoas aqui para os visitar, principalmente o novo edifício que tem uma arquitetura excecional. Depois, o facto de a arquitetura ser um desse filtros com os quais olhamos para o campo da arte contemporânea, para os temas que a arte contemporânea reflete e trabalha. Nesse sentido, vamos ter várias exposições que focam exatamente o modo como os artistas têm visto a arquitetura ou a cidade e vamos continuar colaborações com, por exemplo, a Trienal de Arquitetura, vamos aproveitar o serviço educativo para, sempre que possível, trazer o debate sobre a cidade. Não vamos criar um espaço para monografias de arquitetos, que já existe aqui ao lado na Garagem Sul do CCB que é dedicada a esse tipo de programa, mas vamos ter a presença da arquitetura através desses olhares e através do debate.

 

Como é dirigir uma equipa que tem pela frente o desafio de programar para uma área expositiva de mais de 3000m2?

Tem sido muito excitante e uma das componentes mais gratificantes do projeto. O facto de já haver aqui pessoas com muito valor, juntar-lhes alguns membros novos que trazem outras dinâmicas e outros olhares… no fundo ter conseguido, logo com a primeira inauguração a 29 de julho, galvanizar a equipa para um projeto comum é extraordinário. E acho que a própria equipa tem sido fundamental para assegurar que o trabalho que se aproxima, que é muito grande – vamos fazer 18 exposições por ano – tenha um ritmo constante, mas que mostre o entusiasmo e o empenho de uma equipa que é relativamente pequena para o tamanho do museu, mas que eu acho que está a mostrar as suas capacidades.