O que vamos ler neste verão

As escolhas da Redação

O que vamos ler neste verão

Que livros pensa levar de férias? A equipa da Agenda Cultural de Lisboa partilha as suas escolhas para este verão.

Vou terminar o segundo volume da obra A Minha Luta de Karl Ove Knausgärd. Uma descoberta com cerca de 6 meses que me deixou rendida à primeira frase: “Para o coração, a vida é simples: bate enquanto pode. Depois para”. Simplicidade não é, contudo, palavra que se aplique à escrita deste norueguês de 46 anos, que na narrativa da sua vida transcende o registo autobiográfico ou diarístico. A descrição de gestos do quotidiano, de factos aparentemente banais, é feita sob uma tensão constante que gera no leitor a expetativa de que alguma coisa está para acontecer. E está: páginas magistralmente preenchidas com reflexões sobre a vida, a arte, a morte, o amor, a filosofia.

O outro livro, diretamente relacionado com as minhas férias, é O Colosso de Maroussi de Henry Miller. Considerado pelo próprio como uma das suas melhores obras, relata a sua descoberta da Grécia, para onde viajou a convite do amigo e também escritor Lawrence Durrell. A minha curiosidade começou por ser turística: poder comparar a descrição que faz dos locais por onde vou passar com as minhas próprias observações. Contudo, as tensões presentes nas circunstâncias em que Durrell realizou a viagem – corria o ano de 1939 e os ventos da guerra sopravam já pela Europa – e as atuais pareceram-me outro excelente motivo para conhecer esta obra do autor de Trópico de Câncer.

Paula Teixeira – editora executiva

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Apesar de pelas piores razões andar nas bocas do mundo, a Alemanha é um país fascinante e sedutoramente assustador pelos fantasmas que carrega do passado e que, com teimosia, parecem querer ensombrar o futuro da Europa. Por essa irresistível paixão pela história e pelos seus medos, na bagagem de viajante coloquei dois livros, duas abordagens distintas sobre o século XX alemão.

O primeiro é uma obra-prima absoluta da literatura, obra de estreia do recentemente desaparecido Günter GrassTambor de Lata. Na Danzing natal do escritor, acompanhamos as aventuras e desventuras do pequeno Oskar que recusa deixar de ser pequeno e abandonar o seu tambor de lata. É uma longa viagem à Alemanha perseguida pela derrota de 1914/18, que vê o nazismo triunfar e, uma vez mais, reincide em arrastar a Europa para um novo conflito. É uma leitura desafiante, carregada de humor e inteligência que, apesar da dimensão (são cerca de 700 páginas), é impossível resistir.

Da autoria de um francês, Jacques-Pierre Amette, descobri recentemente numa feira do livro A Amante de Brecht, obra distinguida com o Prémio Goncourt em 2003. Trata-se de uma narrativa ficcional passada na Berlim destroçada do pós-Segunda Grande Guerra. Bertolt Brecht regressa à Alemanha e, num misto de admiração e suspeição, as autoridades encomendam a uma jovem atriz vienense com um passado colaboracionista, Maria Eich, a tarefa de o  seduzir, de modo a manter sobre controlo as conceções artísticas do grande dramaturgo.

Frederico Bernardino – editor do site agendalx.pt / Teatro

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Duas leituras essenciais, duas grandes obras do século XIX:

Em Bouvard e Pécuchet, Gustave Flaubert empreende mais uma dura análise da vida do século XIX com um romance que pretendia ser “uma enciclopédia da estupidez humana”. Bouvard e Pécuchet reformam-se e começam uma nova vida no campo. Aí se vão dedicar, sucessivamente, às várias áreas do saber sempre com resultados frustrados. Esta obra-prima satírica inacabada é um retrato hilariante da fragilidade dos conhecimentos, e mais uma implacável denúncia da superficialidade da vida intelectual francesa. 

Ambientado no seculo XVI, O Senhor dos Paços de Ninães, de Camilo Castelo Branco, tem por base um (inevitável?) amor contrariado. Rejeitado pelo pai da noiva, o jovem Rui Gomes de Azevedo deixa o Minho, vem para Lisboa, combate no norte de África em Alcácer Quibir e toma partido por D. António, Prior do Crato, na sucessão ao trono. Desiludido parte para a Índia onde assiste às rapacidades e atrocidades dos seus compatriotas. O espantoso herói assume uma perspetiva que lembra a do Velho do Restelo revelando o lado negro da expansão ultramarina: os vícios e horrores do colonialismo português. 

Luis Almeida d’ Eça – editor / Literatura

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Em arrumações lá por casa encontrei um clássico da literatura americana que me foi oferecido ainda no século passado: The Catcher in the Rye – Uma Agulha no Palheiro na sua primeira tradução para português – de J. D. Salinger. Curioso como o romance, publicado em 1951, continua tão atual nos dias de hoje, abordando questões tipicamente adolescentes como a identidade, a angústia, a confusão, a rebelião e a alienação. O livro relata a expulsão de Holden Caufield de um colégio interno e a sua deambulação pela cidade de Nova Iorque através da inesquecível voz de um adolescente com dificuldade em aceitar o mundo e, acima de tudo, a si próprio.

Outro livro que vai este ano comigo de férias é O Tempo dos Amores Perfeitos, de Tiago Rebelo. Passado no final do século XIX, este romance narra as aventuras de Carlos Montanha, um oficial português, em Angola, nos conturbados anos que se seguiram ao Ultimatum britânico. Ali, apaixona-se por Leonor, uma jovem rebelde e determinada, filha do governador de Luanda, mas conflitos de interesses opõem a família de Leonor ao tenente Montanha. O enquadramento histórico, o despreconceito ideológico e as paixões intensas prometem levar o leitor numa inebriante viagem àquele país africano.

Ana Rita Vaz – Artes

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Depois de ter lido Todos os Nomes (roubado à estante do meu pai), resolvi,  este ano, surrupiar mais um livro de José Saramago para ler nas férias. Desta vez, a minha escolha recaiu sobre As Intermitências da Morte. O livro do Nobel português começa assim: “No dia seguinte ninguém morreu”. Cansada de ser detestada pela Humanidade, a morte decide abandonar as suas funções. Assim, a partir do dia 1 de janeiro, as pessoas simplesmente deixam de morrer. O que, inicialmente, pode parecer uma benção, acaba por revelar-se um verdadeiro pesadelo. A ideia é absolutamente genial e só poderia ter vindo de uma mente brilhante como a de Saramago.
Lembro-me de ver 
O Deus das Pequenas Coisas em grande destaque nas livrarias quando foi lançado. Na altura, não lhe liguei importância, embora a capa, por algum motivo, tenha ficado impressa na minha memória. Anos depois, a ironia do destino trouxe-o até mim. Trata-se da primeira obra da escritora indiana Arundhati Roy, que a levou a ganhar o Booker Prize em 1998. Após vários anos de separação, os gémeos Estha e Rahel reencontram-se. A reunião traz à tona uma série de episódios vividos pela família. Histórias que passam pela fábrica de conservas Paraíso, por amores proibidos, desejos reprimidos, e por tragédias que marcarão para sempre a vida dos dois irmãos.

Filipa Santos – Música

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Em conversa sobre a obra de Valter Hugo Mãe, uma colega de trabalho aconselhou-me O Filho de Mil Homens. A história tem como figura central Crisóstomo, um homem que persegue o sonho de construir uma família. Ao longo da narrativa o seu clã vai crescendo. Um conjunto de pessoas que a vida e o acaso lhe oferecem, mas que não deixam por isso de ser aqueles que Crisóstomo tanto desejou. Vinte capítulos onde amor, paixão, preconceito e solidão são abordados com mestria e criatividade. Pareceu-me, sem dúvida, um livro empolgante para levar na bagagem e saborear nas férias. 

Há muito que queria ler Toni Morrisson, Prémio Nobel da Literatura em 1993. Cruzei-me com Beloved numa livraria e resolvi que ia levá-lo comigo este verão. Baseado na história verídica de uma escrava que preferiu matar os filhos a levá-los de volta à plantação, Beloved, aborda questões fundamentais e hoje tão atuais como: a relação entre negros e brancos, homens e mulheres, passado e presente. A principal personagem, Seth, vive entre a realidade e a fantasia, num mundo onde os mortos ainda se mantêm demasiado vivos. Uma obra indispensável que marca tanto pela beleza, como pela crueldade. Um retrato sublime da História e das consequências devastadores da escravatura.

Ana Figueiredo – Cinema

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Durante uma tempestade de Inverno, o escritor Paul Sheldon sofre um acidente de viação e é salvo por Annie Wilkes, enfermeira psicótica que é a sua fã número 1. Assim é Misery, livro escrito em 1987 por Stephen King, que em 1990 deu origem a um filme homónimo. Este foi o primeiro contacto que tive com a obra do escritor americano. Seguiram-se Corações na AtlântidaÀ espera de um milagre,The Shining… Envoltos em suspense do início ao fim, com um humor negro por vezes demasiado perturbador, os livros de Stephen King inquietam-me, sendo impossível parar de os ler. Considerada pelo próprio autor a sua obra mais ambiciosa, para as férias levo comigo A Torre Negra: O Pistoleiro.

Não sei como tive conhecimento do autor, mas recordo-me da dificuldade inicial em ler o livro. Em causa, A Casa do Sono, de Jonathan Coe. Romance desconcertante, passado numa espécie de sanatório onde tratam doentes com problemas de sono, conta a história de quatro personagens, das quais destaco Sarah, que não consegue distinguir os sonhos da realidade, e Gregory, o seu namorado, que só atinge o orgasmo a pressionar com os dedos os olhos de Sarah. Um livro para reler!

Sara Simões – copy desk

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As férias são, por norma, o período em que aproveito para ler livros que há muito habitam as prateleiras da minha estante. Para este verão decidi escolher dois romances.

A leitura de Gente feliz com lágrimas, de João de Melo, foi-me aconselhada há mais de uma década por um professor da faculdade. No entanto, outras leituras se foram sucedendo e esse livro ali foi ficando à espera da minha predisposição para o ler. Trata-se de uma história triste, que narra a vida de uma família açoriana pobre, por volta dos anos 60, retratando de uma forma crua e até mesmo violenta a dureza da vida daqueles que lutam pelo seu sustento, da infância que passa ao lado das crianças destas famílias. Sei que não será fácil ler este livro, mas os relatos de quem já o leu dão-me alento para fazê-lo.

Quanto a Baudulino, de Umberto Eco, os relatos dos amigos que leram o livro são muito díspares. Para alguns o livro é extraordinário, para outros uma experiência a evitar, mas sendo eu um admirador confesso deste autor, vou-me aventurar pelas cerca de 500 páginas deste romance e logo tirarei as minhas conclusões. Trata-se da história de Baudulino, um mentiroso compulsivo, que graças ao seu talento para a mentira é adotado por Frederico I, o Barba-Ruiva imperador do Sacro Império Romano Germânico, e que conta os seus feitos ao historiador bizantino Nicetas Coniates, numa sequência que vai desde a coroação do imperador Frederico à invasão de Constantinopla pelas cruzadas – operação financiada pelos venezianos que permitiria o controlo do Mediterrâneo.

Marco Mateus – Publicidade

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