Sílvia Filipe

A atriz protagoniza "A Modéstia"

Sílvia Filipe

A partir de 26 de março, Sílvia Filipe, atriz que os portugueses tão bem conhecem da televisão, volta a pisar o palco com A Modéstia, uma intensa reflexão sobre esta civilização em decomposição, da autoria do dramaturgo argentino Rafael Spregelburd. Dirigida por Amândio Pinheiro, a peça vai estar em cena até final de abril, no Teatro da Politécnica.

A Modéstia marca o teu regresso ao trabalho com os Artistas Unidos (AU), mais de três anos depois de Comemoração, de Harold Pinter. O que se sente quando se volta a uma “casa” onde trabalhaste com tanta regularidade ao longo dos anos?

É muito agradável, não sendo esta a minha “casa-mãe” – essa foi o Teatro da Garagem, onde estive, ininterruptamente, mais de sete anos. Mas, com os AU, comecei precisamente em 1995, numa das peças fundadoras da companhia, António, um rapaz de Lisboa, do Jorge Silva Melo. Era um elenco enorme e todos nós éramos tão novinhos [risos]… Agora, e no caso de A Modéstia, foi o João Meireles que me convidou para ser encenada pelo Amândio Pinheiro, que apenas conhecia como ator. Para mim, está a ser uma experiência nova porque, até aqui, nos AU, tinha sido sempre dirigida pelo Jorge Silva Melo.

O que costuma ser mais desafiante no trabalho com os AU?

Tenho trabalhado com pessoas muito diferentes ao longo da minha carreira e, quando volto aos AU, sei que, por norma, vamos estar no campo da dramaturgia contemporânea, e num universo de autores com caraterísticas muito peculiares, como o Pinter, por exemplo. É um trabalho muito diferente do que desenvolvi recentemente no Teatro Meridional, com a Natália Luiza, em As Centenárias, de Newton Moreno.

O que podes desvendar sobre a tua, ou melhor, as tuas personagens nesta “comédia de enganos”, para citar o autor?

Esta é uma peça desconcertante, com um texto que desconstrói, de certo modo, os clássicos, brincando mesmo com eles. Por vezes, parece soar a Tchékov… As minhas personagens são a Ania e a Angela. A Angela tem uma situação familiar complicada e é muito empenhada politicamente, sobretudo na defesa das minorias étnicas. A Ania é precisamente o oposto, uma mulher resignada que tudo faz para salvar o marido. Porém, nada disto é absolutamente óbvio. Depois, há ainda uma terceira personagem que é a atriz Sílvia, aquela que conta a história…

Uma brincadeira com o teatro dentro do teatro?

Sim. A atriz é, também, uma personagem que joga na dificuldade de contar a história. No fundo, esta peça é isso mesmo: um jogo de desconstrução do próprio teatro. Pode parecer complicado, mas estou certa que o público vai gostar de ser parte neste jogo.

Antes de começarmos esta entrevista, falavas na constante surpresa que cada ator reserva aos outros em palco. Podes explicar um pouco melhor?

Vamos surpreender-nos uns aos outros. A única obrigatoriedade neste trabalho é sermos fiéis ao texto, mas não temos um modo cristalizado de agir em palco, ou seja, podemos improvisar nas marcações, no estar em cena. Digamos que esta é outra das faces do jogo que é A Modéstia.

Esta peça foi escrita nos dias da última grande crise económica argentina. Sentes que, em certa medida, isso vai fazer o público português aproximar-se do texto?

Antes de falar com o Amândio, e quando li o texto, achei-o um grande devaneio, por vezes tenebroso e cruel. Depois, falámos e ele diz-me para ter calma que as coisas não eram assim tão sérias… Há, de facto, aspetos muito ligados à realidade argentina, mas parece-me um texto universal e, infelizmente para nós, contém muitas situações que se aproximam daquelas que estamos a viver por estes dias.

Apesar de teres presença regular nos palcos, nos últimos anos tornaste-te uma atriz muito reconhecida devido à televisão. Sentes que isso mudou a tua vida?

A televisão faz-nos entrar diariamente na casa das pessoas, algo que provoca um tremendo impacto na vida de um ator. Já não consigo entrar num restaurante com o meu filho e permanecer incógnita [risos]. As pessoas abordam-nos, olham-nos… Mas, já aprendi a lidar com isso. Acho que somos olhados pelo público como vendedores de sonhos. E, as pessoas confundem-nos mesmo com as personagens. Lembro-me que, na telenovela Laços de Sangue, interpretava uma mãe com um filho problemático e, um dia, uma senhora aborda-me na rua confessando ter um problema semelhante ao da minha personagem. Foi desconcertante e, às tantas, já era eu própria a torcer para que tudo corresse bem à mulher que interpretava, sabendo que isso iria significar dar esperança a um sem número de pessoas que acompanhavam aquele drama pela televisão.

Sentes-te bem a fazer teatro e televisão?

Sem dúvida. O teatro é ritualístico, acontece ali, damos tudo no momento. A televisão é intensiva. Mas, gosto de ambos e sinto-me bem, tendo noção que trabalhar em televisão é ainda, para mim, um processo em aprendizagem. Ao mesmo tempo, o trabalho em televisão acaba por me poupar mais enquanto atriz e, sobretudo, enquanto mãe, já que me permite dispor de noites e gerir o tempo de um outro modo.

Para além de atriz, tens também formação em canto. Tens saudades de fazer teatro musical?

Muitas saudades. Fiz muito teatro musical no Teatro Aberto, aqui nos AU, no Esta Noite Improvisa-se, e foram experiências fantásticas. Agora que falas nisso, pergunto: quando é que me convidam para voltar a fazer um musical [risos].

Enquanto não chega o convite para o musical, tens outros projetos?

Não sou pessoa de projetar a longo prazo. Nunca delineei propriamente uma estratégia de carreira para não criar ilusões que se transformam em desilusões. E, se calhar ainda bem, porque o mais certo é não haver trabalho [risos]. Mas agora, logo a seguir à peça, vou continuar as gravações da série Bem-vindos a Beirais e, quem sabe, reincidir com um novo projeto nos AU, se a conjuntura o permitir. Até porque, a situação está, de facto, muito difícil para as companhias de teatro em Portugal e nenhum de nós pode contar seja com o que for como certo.