Cornucópia, 40 anos

Aniversário comemora-se a 13 de outubro

Cornucópia, 40 anos

Há escassos meses, por ocasião da estreia de Ai Amor Sem Pés Nem Cabeça, Luís Miguel Cintra, diretor artístico e fundador do Teatro da Cornucópia, referia, em entrevista à Agenda Cultural, que continuava a fazer teatro “para não deixar de ser miúdo”, comparando o prazer do teatro “ao prazer de brincar”. Esse “prazer”, que se assemelha a uma “brincadeira que se foi tornando cada vez mais complicada”, marca o notável percurso de 40 anos do Teatro da Cornucópia.

A 13 de outubro de 2013, cumprem-se 40 anos sobre a estreia nos palcos da companhia fundada por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo. E, no Teatro do Bairro Alto vai fazer-se a festa.

Do Laura Alves ao Teatro do Bairro Alto

Tudo começou a 13 de outubro de 1973, no Teatro Laura Alves, na Rua da Palma, arrendado ao empresário Vasco Morgado. Os jovens Jorge Silva Melo e Luís Miguel Cintra, antigos membros do Grupo de Teatro de Letras e ex-bolseiros da Fundação Calouste Gulbenkian, haviam fundado o Teatro da Cornucópia, e apresentavam ao público de Lisboa O Misantropo, de Molière. Com este clássico, afirmavam um dos objetivos centrais da companhia: “realizar espetáculos que, pela acessibilidade dos temas e dos tratamentos cénicos, possam interessar simultaneamente o público adulto já formado pela atividade das restantes companhias e o público jovem que ainda não tem consciência nem hábitos de espetador (…)”. No elenco, para além dos diretores da companhia, figuram Glicínia Quartin, Filipe La Féria, Carlos Fernando, Luís Lima Barreto, Orlando Costa, Raquel Maria e Dalila Rocha.

Até ao 25 de Abril, a Cornucópia assina mais uma criação, Ilha dos Escravos e A Herança, de Marivaux, que estreia no Terraço do Teatro Capitólio, em março de 1974. Com a queda da ditadura, o sopro da liberdade leva a companhia a apresentar no Incrível Almadense, em julho, a sua primeira incursão no teatro de Brecht. O Terror e a Miséria no III Reich é um espetáculo co-encenado por Cintra e Silva Melo, e seria representado em dezenas de vilas e cidades do sul do país. Em Lisboa, a estreia acontece no Teatro da Trindade.

1975, o país em revolução e a Cornucópia chega à sua atual morada, o Teatro do Bairro Alto. Pequenos Burgueses, de Gorki, é a peça inaugural, após meses conturbados, sem dinheiro para o pagamento de ordenados e com poucas ou nenhumas condições para desenvolver a atividade. Depois de muitas hesitações, o espetáculo estreia a 1 de julho e conta no elenco, entre outros, com Lia Gama e Márcia Breia, duas atrizes que vão trabalhar com alguma regularidade na companhia.

No ano seguinte, dá-se a primeira colaboração de Cristina Reis com a Cornucópia, precisamente na peça infantil As Músicas Mágicas, de Catherine Dasté. Mais tarde, a cenógrafa e figurinista assumiria a codireção da companhia.

Em 1979, um momento de viragem. Jorge Silva Melo assina as encenações de Woyzeck, de Büchner, e E Não se pode Exterminá-lo?, a partir de cenas de Karl Valentin. Os dois espetáculos acabariam por ser os últimos do encenador, ator e cineasta no Teatro da Cornucópia. Mais tarde, em 1995, fundaria os Artistas Unidos.

 

Uma escola de teatro

O Teatro da Cornucópia tornou-se, provavelmente, a mais aclamada das companhias do teatro português. Ainda na última edição do Festival de Almada, Rodrigo Francisco sublinhava a sua importância, e a dessa “figura absolutamente incontornável no teatro europeu que é Luís Miguel Cintra”. O diretor do mais importante festival de teatro do país não hesitou em colocar o diretor da Cornucópia lado a lado com outros dois vultos vivos: Peter Stein e José Luis Gómez.

O trabalho de divulgação de grandes obras da dramaturgia mundial, dos clássicos aos contemporâneos, bem como a notabilização dos grandes atores e atrizes do teatro português das últimas décadas são essenciais para compreender este reconhecimento. A Cornucópia trabalhou, minuciosa e criativamente, cerca de 120 produções, com textos de autores clássicos, como Aristófanes, Plauto, Gil Vicente ou Shakespeare; contemporâneos, como Heiner Müller, Fassbinder, Lorca, Genet ou Pasolini; e gigantes da dramaturgia portuguesa, como Gil Vicente, Camões ou António José da Silva. Um punhado de espetáculos admiráveis a partir de colagens de textos, marcam também o rico percurso de uma companhia que “tocou em todas as épocas da história da literatura dramática”.

Ao longo destas décadas, a companhia conheceu muitos elencos e contou com um sem-número de atores e atrizes de teatro de referência. Ricardo Aibéo, Virgílio Castelo, Emília Correia, Margarida Carpinteiro, Teresa Madruga, António Fonseca, Miguel Guilherme, Canto e Castro, Luísa Cruz, Rita Durão, Adriano Luz, Rita Blanco, Miguel Borges, Dinarte Branco, Beatriz Batarda ou Nuno Lopes são apenas alguns dos nomes que brilharam nos espetáculos da Cornucópia.

 

Parabéns à Cornucópia

Outubro de 2013 marca o arranque das comemorações do Teatro da Cornucópia. A 5 e 12, sábados, o Teatro do Bairro Alto está de portas abertas para apresentar… cinema. Oito filmes mostram momentos de um percurso. São registos da companhia, registos de amigos, uns inéditos, outros esquecidos, que contam pedaços de história do teatro. Do teatro que a Cornucópia fez e continua a fazer.

De 9 a 31 de outubro, a Cinemateca Portuguesa associa-se à comemoração e apresenta um programa paralelo de cinema, onde surgem obras de Paulo Rocha, José Álvaro Morais, Christine Laurent, Solveig Nordlund ou Jorge Silva Melo.

No dia em que se cumprem os 40 anos da estreia de O Misantropo, a 13 de outubro, domingo, inicia-se, às 16 horas, uma tribuna livre para falar sobre a Cornucópia. É o momento ideal para aqueles que partilharam as “brincadeiras” tomarem a palavra. Todos estão convidados a intervir, bastando apenas uma inscrição prévia (até 4 de outubro) através de correio eletrónico (info@teatro-cornucopia.pt). Depois, pelas 20 horas, é tempo de brindar, tomar um copo, petiscar e conversar – são bem-vindos contributos de comes e bebes! Para encerrar a noite, o verbo dá lugar à música, e todos os músicos estão convidados a intervir.

Da nossa parte, endereçamos à Cornucópia os parabéns e o desejo de ver cumprir muitos mais anos de “brincadeiras”. E, já agora, em novembro há novo espetáculo: 4 Ad Hoc, quatro “pochades” de Eugene Labiche traduzidos por Luís Lima Barreto e Luís Miguel Cintra, com a colaboração de Cristina Reis, promete ser mais um grande momento de teatro a juntar a tantos outros que temos visto, pelo Teatro do Bairro Alto, ao longo dos últimos anos.