Um mundo violento

Duas peças de David Greig no Teatro da Politécnica

Um mundo violento

O teatro de David Greig marca o próximo mês no Teatro da Politécnica. É um regresso do dramaturgo escocês ao convívio dos Artistas Unidos, depois de Cantigas de uma noite de verão, estreado em 2010 e reposto três anos depois com enorme sucesso. Os acontecimentos e Frágil são dois retratos inquietantes de um mundo cruel e violento pelo génio de um autor surpreendente e que importa continuar a descobrir.

Aos 45 anos, David Greig é já o mais aclamado dramaturgo escocês da atualidade e dos mais aplaudidos na cena britânica. O seu teatro está ligado à vida quotidiana, aos anseios e frustrações de uma certa geração que perdeu gradualmente as ilusões e, se por um lado é vincadamente universal, por outro são reconheciveis os destroços da sociedade britânica após o thatcherismo.

Cantigas de uma noite de verão, a comédia musical sobre dois trintões às voltas com muitos assuntos sérios, foi a primeira incursão dos Artistas Unidos na dramaturgia de Greig. Agora, em registo mais negro, o coletivo liderado por Jorge Silva Melo propõe duas peças que espelham a necessidade de uma ideia de comunidade que nos proteja do mundo de violência em que vivemos: Os acontecimentos (estreia a 11 de fevereiro) e Frágil (estreia a 20 de fevereiro).

Os acontecimentos, peça musical encenada por António Simão, inspira-se na personagem de Anders Breivik, o militante de extrema-direita que, em 2011, assassinou a sangue frio 68 pessoas. Greig parte do acontecimento terrível para fazer ecoar outros, como os massacres ‘escolares’ de Columbine ou Dunblane. A protagonista é uma mulher que escapou ao massacre e, perante os traumas, decide encetar uma busca para entender o que se passou naquele dia. O coro em cena é a representação da comunidade onde nos podemos encontrar, “onde nos juntamos e cantamos” e onde, provavelmente, podemos encetar o caminho para levantar as questões para as quais parece impossível descobrir respostas.

Pedro Carraca em ‘Frágil’

 

Em Frágil, Greig reflete sobre a violência que as decisões políticas exercem sobre o individuo. Apesar de escrita para dois atores, o autor reconheceu estarmos a viver em ‘austeridade’, e propôs que a personagem Carolina, psicóloga a recibos verdes, seja sempre interpretada pelo público, seguindo as suas falas através de um power point projetado em palco. Jack, o jovem que necessita de cuidados de saúde mental e, por saber que os perdeu devido a cortes estabelecidos pelo Governo, decide tomar uma atitude radical, é o seu interlocutor.

A intenção de Greig em recorrer a este dispositivo de colocar o público na pele de Carolina é tudo menos inocente. Trata-se de um desafio e de uma provocação para nos fazer pensar enquanto comunidade perante pessoas como Jack, gente que sente nada mais ter a perder, que percebeu que “como está não pode continuar”. E nós? Estaremos nós à altura do papel?

As duas peças de David Greig mantêm-se em cena até 14 de março.