Um karaoke para sentir o mundo

‘You need heart to play this game’ em estreia no Maria Matos

Um karaoke para sentir o mundo

O teatro experimental e inquieto do coletivo Plataforma285 está de regresso ao palco com um karaoke solitário para olhar o mundo. Raimundo Cosme interpreta a solo, em frente de um ecrã, You need heart to play this game, a partir de 22 de fevereiro, no Teatro Maria Matos.

O que se faz num karaoke? “Repetem-se as palavras dos outros, e isso não é mais do que aquilo que fazemos a toda a hora, hoje”. Quem o diz é Raimundo Cosme, poucos minutos depois de ter feito mais um ensaio integral de You need heart to play this game, a sétima criação da Plataforma285, coletivo multidisciplinar que dirige com Cecília Henriques e Marta Passadeiras.

“Quisemos fazer um espetáculo assumidamente político, que acentuasse essa tirania da repetição de linguagens, discursos, códigos e símbolos a que vamos sendo impelidos”, sublinha. Para isso, o performer poderia deixar-se ficar em frente de um ecrã de computador a “brincar“ numa qualquer rede social. Mas, a opção para frisar “a desumanização” recaiu no karaoke, essa máquina que projeta imagens normalmente inócuas e nos põe a cantar, ou a soletrar, palavras que outros combinaram.

“A ideia para fazer este projeto surgiu quando vi um documentário sobre os autodenominados herbívoros, japoneses entre os 20 e os 35 anos que abdicaram de sexo e que, têm como ponto alto das suas ‘vidas sociais’ ir a uma cabine de karaoke, privada, onde cantam”, explica Cosme. Agarrando na ideia de isolamento proposta por tão insólita forma de vida, em palco é recriado “um recetáculo fechado prestes a ruir”, onde, quase sempre de costas para o público, o performer interage com “a máquina” que o torna estrela solitária do seu mundo.

De microfone na mão, perante “uma imagem medíocre” onde desfilam palavras ou interjeições, Cosme (e, consequentemente, a plateia) viaja ora pela tragédia dos migrantes, ora pelas vidas fantasiosas nas redes sociais; ora por símbolos pop, ora por modas do momento; ora por guerras declaradas, ora por discursos políticos inflamados. Em suma, um mundo filtrado pela imagem do karaoke, ao som de músicos como Jezek & Kurepa, Filipe Sambado, Vaiapraia e As Rainhas do Baile, Nívea-San, DJ Pastilhado, Tiago Nunes e Van Ayres.